Os trabalhos da série Neolítico Express, de Rodrigo Torres, estabelecem um diálogo curioso com a tradição: consagram, através de uma profanação minuciosa, a ambiguidade entre a obra intrínseca e extrínseca que marca nossa experiência com a arte contemporânea. No caso, a familiaridade com itens valiosos, num contexto decorativo ou museológico, é discutida em um processo de ruptura com o esperado ponto de vista reverente, ou, aquele certo de encontrar ali algo de cujo núcleo emana uma verdade e beleza integral, para ser problematizado quanto a um desenvolvimento particular da escultura no Brasil: o estremecimento das bases de uma autonomia, a partir da conclamação da cumplicidade diante de um estágio intermediário em que nada deveria ser visto como autêntico ou acabado de antemão.
Podemos pensar de cara nos Bólides de Oiticica, no fato de que levam, desde o inicio da década de 1960, a uma relação renovada do público com o objeto, de outra forma, do participador com uma obra que é simultaneamente um dispositivo sensorial e conceitual a ser acionado em um segundo estágio de aproximação. Participar no sentido de adensar a experiência ótica com uma camada de injunções às vezes precárias que culminam em significativas reconsiderações. E, principalmente, imaginar que não há um único vetor construtivo que faz o artista produzir um objeto em uma totalidade que se mostra irredutível, mas um processo com idas e vindas que equaliza a posição de todos em um patamar em que o criador se constitui por um espelhamento instantâneo em uma criatura que reivindica seu lugar também como sujeito incompleto.
Mais recentemente, os Phanógrafos de Projeção e Deposição (2010), de Tunga, também se estruturam a partir de um recipiente, vasos de cristal Baccarat, contidos por caixas articuladas que encerram sua gênese e funcionamento implícito. A origem desse fenômeno tange a compreensão de um princípio criativo que se afiança no onírico, superando embates voltados para a subtração de material, substituindo-os por encontros mágicos com o que está ali, dado, como se aproveitasse o vácuo deixado pelo fato do ready made ser, antes de mais nada, uma peça de cerâmica que surgiu no mundo da arte inadvertidamente. Nos Phanógrafos, a equação experimental se apresenta a partir do ficcional, estruturas que sempre contêm um segundo núcleo que irradia cor e materialidade furtiva, pois o objeto central também não se mostra integralmente, e sua cota obscura preenche-se pela ansiedade de se conjugar delicadeza e brutalidade.
As ânforas de Rodrigo não contêm, não são recipiente, mas o conteúdo parcialmente embalado por um invólucro que se distanciaria no tempo do artefato encontrado pelo arqueólogo. Ali, a máxima minimalista em torno de um cubo anódino, de que “você vê o que você vê”, abre-se em um ciclo de perguntas e respostas bem menos tautológicas: não vemos tudo, e as partes nunca se equivalem, depondo o equilíbrio formal, calçando-o na gravidade, no equilíbrio real de um vaso ora sobre um balde, ora dentro de uma caixa, ora sobre a mesa.
Produzidas e finalizadas em seu estúdio na Fábrica Bhering, no Rio de Janeiro, lugar onde doces eram industrializados, longe de seus ancestrais chineses e gregos, demonstram não tratar apenas de se quebrar a redoma que instaura a obra em uma temporalidade especial que se destaca da cotidiana, mas de eternizar o momento em que esses dois tempos se encontram, quando desembalamos ou embalamos algo, quando encontramos algo que vem, através de uma lição de Joseph Beuys, reforçar potencialidades metafísicas da matéria; títulos desmentidos por legendas induzem a uma manipulação virtual que ocorre, então, junto à observação atenta das propriedades de uma objectualidade que se instaura no provisório.
A argila primordial que amalgama o isopor, o papelão, a fita adesiva, resquícios de líquidos já vertidos ou a se verter, incorpora o mimetismo que engloba a pintura, que de fato reveste as peças e o que parece ser o papelão areado esculpido escrupulosamente para que pareça ser aquilo em definitivo. Como se estivessem mesmo em trânsito, invioladas por alguém, acondicionadas anonimamente por outro, cada uma delas se mostra em um pedestal neutro, na galeria, que sustenta outro suporte: a escultura como plataforma para o pensamento a respeito da preciosidade de sua incongruência e fascínio atual.
Rafael Vogt Maia Rosa
*texto para a exposição "Mr. Fusion", SIM Galeria - SP, 2018
Víveres
“Todos os integrantes da armada ainda teriam direito aos bens saqueados aos povos...”
(A Viagem do descobrimento. Eduardo Bueno)
Era comum na armada de Cabral a divisão de bens saqueados aos povos, aos quais denominavam butim. E tudo interessaria aos que vinham do mar, armas, mantimentos, especiarias, prisioneiros, homens escravizados. Os víveres eram mais do que controlados, cabendo sua guarda a um cargo específico na cidade-caravela. Mas, a natureza sempre foi insurgente e ninguém conseguiu conter o fétido dos toneis de água e o avinagrar dos mais apreciados vinhos. Essa busca por butins continuara no Novo Mundo, ganhando, a cada momento, configurações específicas. O ouro, o minério, a cana-de-açúcar, por exemplo, fizeram da escravidão no Brasil algo inédito, já que destinada às lavouras constituídas por milhares de degradados. E o fausto, a opulência das mesas coloniais se mantinham a essas custas, enquanto o gentio acostumara-se a catar os restos na sarjeta, a experimentar o apodrecido dos víveres nas xepas, a carregar o esgoto das cidades na cabeça. Mas, não à toa, essa história foi acompanhada por insurgências, revoltas, motins capitaneados por tupinambás, caboclos, malês.
Em Víveres, Rodrigo Torres se utiliza do virtuosismo técnico para nos aproximar dessas polaridades, do brilho de superfícies marmorizadas, em técnicas de Corte, em trompe l’oeil, ou do corrugado ameaçador das embalagens de papel, coquetéis molotovs, abandonadas ao pânico dos aeroportos. Torres se afirma com profunda determinação ao observar os gestos de uma produção artística que precisa coadunar-se aos conceitos da arte, da sociedade e da política. Víveres, com isso, nos confronta à maturidade do artista, experimentando efeitos de superfícies materiais, ao mesmo tempo que reflete sobre as mazelas da colonização e do capitalismo. Rodrigo tangencia e atravessa os fatos do agora, observando, justamente, os modos como a natureza e a civilização foram constituindo um Brasil a ser explorado, em prol do fastio dos palácios e das mesas, espoliado em suas riquezas naturais “tipo exportação” que, hoje, permanecem em trânsito nos contrabandos que circulam livremente. Curiosamente, como nos informa Lilia Schwarcz, “os colonos cariocas tornaram-se peritos na atividade do contrabando: furavam bloqueios, driblavam o fiscalismo”. E o que nos espanta é perceber que esta informação se refere aos idos de 1600.
O que nos restará, então, como sociedade? A lógica de exploração da produção agrária a qualquer custo? Quem somos nós? Por um lado, filhos do desejo desenfreado do consumo, por outro, sobreviventes da violência, os que não têm lugar na anomia da mestiçagem.
O que nos resta é rever os gestos das rebeliões, dos motins, das sedições, das revoltas, resistindo ao que nos torna reféns.
Marcelo Campos
* texto para a exposição Víveres, A Gentil Carioca, 2017
Trompe-l’oeil
A reunião de obras para essa exposição passa por distintos suportes e materiais mas fundamentalmente a linguagem que as atravessa é a pintura. E mais especificamente uma técnica, com truques de perspectiva, que cria uma ilusão óptica na qual o espectador se questiona sobre a qualidade do real. Sem uma data precisa para a sua origem, com aparições remotas na Grécia e Roma antigas, o trompe-l’oeil é resgatado por Rodrigo Torres.
Sistema de desinformação geográfica (2015) talvez seja a série de obras que mais provoque um ruído, para olhos mais conversadores, ao ser comparada a uma pintura. Mas percebam que além da característica ilusória de espaço e volume, o artista realiza um processo que poderíamos aproximar ao da pintura de paisagem. Ao sobrepor diversas imagens - capturadas em sites de buscas ou documentadas pelo próprio artista - de paisagens, pedras, montanhas e bairros do Rio de Janeiro, e depois colá-las, recortá-las, quase como que as esculpindo, e finalmente aplicando leves retoques, Torres não só cria volume e textura para a “pintura de paisagem” mas cria uma experiência óptica que nos embaralha ao apontar definitivamente a proporção e a altura daquelas elevações. Por ora, estas nos parecem mais altas do que realmente são e em outros momentos refletem uma topografia que corresponderia, guardadas as proporções de escala, ao mundo real. O sequenciamento dos cortes na superfície do material cria camadas ou ondas que variam dependendo da profundidade e localização do corte, constituindo sua própria dinâmica. Seus relevos, escalas e dimensões variam entre a ficção e o real sempre se apoiando na forma em como experimentamos esse jogo óptico. O artista consegue realizar a passagem do plano ao espaço mas acima disso colocando em dúvida as qualidades topográficas do espaço.
A série Esquecidos (2014) abre um outro direcionamento nesse diálogo constante de Rodrigo Torres com a pintura. Aqui é a natureza-morta posta em questão. Objetos ordinários ou que compõem a rotina do artista em seu ateliê são desenhados, com giz pastel e lápis de cor, em placas de vidro. Aproximando-se da técnica renascentista do sfumato e levando-a a uma radicalização, o artista constrói um objeto que permanece numa zona de fronteira: ele não se faz presente de forma inteiriça, porque está quase que desaparecendo sob uma neblina. Não se consegue perceber as linhas e bordas do desenho já que o artista usa suaves diferenças entre as tonalidades. Esta série derivou a instalação Entulho (2015)que está sendo apresentada pela primeira vez. Os desenhos em vidro de uma lata de tinta, uma pá, uma lata de cola, tijolos e uma extensão elétrica estão colocados lado a lado. Contudo, as placas de vidro que servem como suporte dos desenhos estão quebradas e parte delas foram postas na frente das obras criando uma ilusão de profundidade e virtualidade que se conecta ao Sistema de desinformação geográfica. Um riso é despertado no encontro com essas obras pois Torres dessacraliza condições muito próprias e portanto históricas da pintura. Longe de ser ingênuo, o artista não está criando truques ou um modelo fácil de produção mas refletindo sobre o estado contemporâneo da pintura. Guardadas suas especificidades, há proximidades com os Balloon Dogs (1994-2000) de Jeff Koons ou quaisquer dos seus objetos banais que nos parecem ser feitos a partir de um material flexível mas são na realidade produzidos em aço. A maior diferença entre os dois artistas, é que o riso provocado por Koons é de desapontamento, e o de Torres é celebratório.
Ainda no terreno das investigações sobre a história da pintura, Amador (2015) reflete sobre a camuflagem, conceito também presente na obra de Torres. Uma folha de cartolina usada para avisos está dobrada e com os adesivos que a sustentam aparentes. Pura ficção. Trata-se de uma folha de alumínio. Mais uma vez se coloca a perspectiva da ilusão como ponto de partida para a sua obra. Dialogando com a arte Pop e os neodadaístas, especialmente as Combine paintings (c. 1953-61) de Robert Rauschenberg, Torres alonga a crise da representação na pintura. Se nas Combines toda a sorte de materiais (aço, madeira, alumínio, tinta a óleo, lata de tinta, areia, papelão e até um bode empalhado), muitos encontrados nas ruas, foi empregada sobre a tela impulsionando um questionamento sobre o que poderia ser qualificado como cor, forma, volume e textura assim como ampliando a discussão sobre a pintura para uma técnica que também se faz no espaço, Torres persiste nessa pesquisa de experimentação de meios que pode ser confundida como uma “tradição da vanguarda”, pois a produção do pós-guerra se deparou constantemente em articular o mundo ordinário, o cotidiano, em suma, a vida ao fenômeno da arte. Estou trazendo para essa discussão não só Amador mas também as séries Qualquer lixo (2015) e Widescreen (2015) pois todas tratam de qualidades da pintura contemporânea: são obras permeada de erros, imperfeições e falsidades, já que as confundimos com o mais banal dos objetos e duvidamos do que está diante de nós. Configuram-se como enigmas, problemas e são ações que disseminam a pintura pelo espaço, revelam sua qualidade ilusória e fundamentalmente a sua capacidade de constante renovação.
Felipe Scovino
* texto para a exposição "Trompe L'oeil"; SIM Galeria; 2015
O que dizer?
I don’t have anything to say and I am saying it - John cage
Compactuamos com a versão silenciosa e misteriosa do processo.
É assim que acontece comigo e o que acontece conosco, é diferente do que se aprende.
Isso não quer dizer que não se tenha assunto.
É tudo o que o silêncio pode dizer, e não se percebe enquanto se processa.
O que aparentemente não tem relação entre si agora poderá ter daqui a muitos anos
Aceitar essa possibilidade desde agora ajuda muito. É um tempo que se perde e outro que se ganha…………………………………………….. lá na frente.
O que não faz sentido por enquanto, faz todo sentido em não faze-lo…por enquanto.
É o papel do tempo. É dele a palavra final.
Pintar e cortar fotografias faz todo o sentido.
Rodrigo trabalha no meu atelier. já chegamos a ficar sem trocar uma única palavra durante uma semanas, a não ser uns poucos grunidos.
ele fica bastante tempo sentado em silêncio esperando que eu fale alguma coisa,
que dê uma pista do que ele poderia fazer para me ajudar em troca de um dinheiro.
enquanto isso, tudo acontece sem que se possa perceber.
Pra esse fato eu chamo atençao. É sobre isso que eu gostaria de falar.
Não existe espaço para meias palavras e as vezes para palavra nenhuma.
Não se precisa dizer nada. A muito para ver
Que se instale o silêncio ! A clareza é parte do incompreensivel.
Luiz Zerbini
rio de janneiro 14.11.2009
É…acho que não ficou claro!
Eu queria falar como pode ser bonito o caminho de um artista Seja ele qual for.
* texto para a exposição Sensor, Gentil Carioca, 2009
Micro Empresa Criativa
Gotaria de agradecer a Nasa, a Kodak, aos gravuristas de cédulas monetárias e principalmente a Adobe por ter desenvolvido o Photoshop. Trata-se de núcleos de criatividade e inteligência admiráveis, seus produtos de enorme utilidade nos têm oferecido conhecimento, ferramentas para diversos usos, felicidade e dinheiro.
Aliás, dinheiro é uma coisa surpreendente, quando você consegue uma nota de cem bate até uma emoção, porque parece com a de dois mas não tem uma tartaruga lesada, tem um delicioso Cherne cheio de agilidade e com essa nota dá para comprar umas cinco da África, essas são caras, mas são imbatíveis em matéria de dinheiro bonito.
Aprendo muito com o Photoshop, grande professor, sempre atualizado. Aprendi com ele a utilizar ferramentas para manipular imagens: cortar, colar, camadas, pintar, clonar, dessaturar, etc. e as utilizo para trabalhar sobre qualquer superfície, principalmente sobre aquelas oferecidas por nossas empresas criativas. Dinheiro e fotografias exemplo poderiam chegar ao seu fim enquanto material impresso, mas eu decido dar continuidade ao trabalho, o que mais eu poderia fazer? Já está tudo aí! alguém já fez, alguém começou. A minha micro empresa criativa se encarrega do processamento do material bruto fornecido pela Nasa, Kodak e bancos do mundo inteiro, mas está aberta para novas parcerias.
Rodrigo Torres
micro empreendedor individual
Rio, 28 / 05 / 2010